quarta-feira, 3 de abril de 2013

As Flores Mortas


Adquiri o hábito de colher flores mortas para botar sobre as orelhas. As flores mortas já estão caídas, já cederam à entrega à gravidade. As flores mortas não foram arrancadas de sua beleza mais vívida, em pleno desabrochar. As flores mortas são murchas, o que as torna flexíveis, maleáveis; se encaixam anatomicamente às mais variadas orelhas e madeixas. As flores mortas são belas - às vezes, suas pétalas espiralam-se, abraçam-se, restando-lhes um último pulso de vitalidade e cores vívidas. Elas enfeitam tão perfeitamente quanto as flores vivas, porém com mais sutileza e eufemismo, um mimo delicado aos olhos. São como longas saias drapeadas e esvoaçantes, que se penduram das cinturas de orelhas, cobrindo-as de vigor e mistério. As flores mortas demoram muito mais a murchar, são mais constantes em sua condição do que as flores vivas que, quando arrancadas, rapidamente perdem o pulsar e se tornam flores mortas. As flores mortas estão entregues, em alturas tangíveis suficiente para serem colhidas por quaisquer mãos, serem presenteadas a quaisquer pessoas, serem cheiradas por quaisquer olfatos, serem efêmeras para quaisquer propósitos. As flores mortas são mortas mas não inúteis, não são apáticas, são ainda flores, e um tanto vivas pelo simples fato de serem flores. As flores mortas não decepcionam, já se sabe o que esperar delas - elas permanecem, enquanto as flores vivas deixam de ser o que são a partir do momento que foram arrancadas. As flores mortas possuem uma certa força, uma resiliência, aceitação. Sua serenidade evita que se alterem demasiadamente, ao menos até escorregarem despercebidamente das orelhas que as acolheram. As flores mortas aceitam serem usadas, pois nada mais lhes resta - não mais enfeitam as árvores que as geraram, não servem mais para os beija-flores, nem podem ser polinizadas por insetos. Qualquer mão que as carreguem são bem vindas. As flores mortas estão esquecidas, ainda são belas e fantásticas, porém despercebidas; ainda têm cheiro, mas não são cafungadas; ainda são flores, porém estão descartadas. As flores mortas não são para os mortos - são para os vivos, para os insetos famintos, para o solo depletado, para meus dedos insensibilizados as colherem, para meu rosto marcado lhes servir de moldura, para minhas orelhas perfuradas comporem seu altar.



06/01/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário