Eu tenho medo de ser eu. Eu choro porque eu tenho medo de
ser eu. Eu tenho medo de estar sendo eu, naturalmente, e erroneamente ou
preconceituosamente ser eu a próxima vítima da “justiça com as próprias mãos”.
Temo ser eu quem vai sentir sua vida esvaecer lentamente diante dos meus olhos,
sem que eu possa me defender. Acusada injustamente até a morte, e ainda depois,
ser profanada mesmo após “feita justiça”. Acusada de bruxaria, atribuindo às
bruxas características de satanistas, vociferando o absurdo do absurdo, calamidades
atrozes e alucinadas. Alucinógena mesmo é a raiva, que distorce a visão,
desfigura, aliena. É como se “meu mundo” fosse um furacão incontrolável, e no
mundo existissem 7 bilhões de “mini-mundos”
de furacões incontroláveis. Melhor logo morrer envenenada de amor como Julieta
e Romeu que brutalizada e barbarizada por seres como eu, humana, falha e
inconformada. Tenho medo. Mas aí me lembro que meu corpo não é nada, que morta,
já não sinto nada e que nessa passagem é tão fácil fundir-se ao um. Nesse mundo
patriarcal, a mulher se permite essa aceitação pela passividade materna da
Deusa que dá livre arbítrio aos seus filhos; assim fazemos, damos livre
arbítrio aos frutos dos nossos ventres. Permitimos que tentem do seu próprio
jeito, estando sempre prontas para aparar nossos rebentos na hora da queda e
acolhê-los de volta aos braços protetores da Mãe, cujas mãos deveriam ser
beijadas todos os dias. Todas as mulheres são mães de todos os homens, e as
mulheres nascem de outras mulheres por mitose da Deusa em todas as suas manifestações
divinas. O homem, orgulhoso, não aceita a Deusa, não aceita ser fruto de seu
ventre. Quer comandar a si próprio, contrário a toda a sabedoria e carinho
protetor da Deusa. Quer romper o cordão umbilical, mas acostumado à seiva
sanguínea nutritiva oferecida pela Deusa, busca o sangue em outros lugares,
busca de onde a Deusa não oferece. Violenta a Deusa querendo voltar para dentro
dela, ao aconchego e proteção, aonde tudo que necessita lhe é oferecido. Agride
a Deusa que não quer lhe dar amor, pois seu propósito na vida é amá-los, mas
são eles mesmos que nos abandonam. São eles mesmos que nos subjugam, nos
subordinam, humilham e menosprezam. São eles mesmos que condenam, julgam e
acusam as bruxas, putas, independentes, vadias, humanas, mulheres, Deusas.
Todas Deusas. A mulher é a criação e a passividade, é a união, o fator comum
entre todos os seres. Bruxas, seremos queimadas e renasceremos como fênices,
voltando vida após vida, estaremos entre todas as gerações. Nosso trabalho é
incessante, de semear a conexão e ensinar com paciência aos homens o dom do
amor. Um dia, todos já nascerão com esse dom. Seremos todos como as árvores,
estrondosas e pacíficas, irradiando luz até que nada mais seja visto. Para
isso, todos os que já se iluminaram, encarnem ao menos uma vida mais por amor à
humanidade! Amem-nos, cuidem-nos, ensinem-nos a sermos irmãos; faço esse
convite em nome de nós que carecemos de professores. Alguns lhes receberão com
muito carinho, ainda assim muitos serão tocados. A Deusa será ressucitada e
voltará a rainhar em todo seu esplendor e graça, com a majestade da lua, com a
imparcialidade do sol, com a liberdade da água. Os homens entenderão que
violência contra a Deusa é violência contra si, pois a Deusa é só acalento e
amor. Que minhas lágrimas sejam a água que rega o amor, que sejam o perdão
pelos meus irmãos que não sabem pedir. Que sejam eu removendo um pouco da sua
dor, Deusa, fazendo dela minha para aliviar um pouco que seja o sofrimento seu.
Que todas as lágrimas derramadas por ti sejam sua redenção. Que as pessoas se
calem mais e olhem as estrelas, ouçam o canto das árvores. Nunca, jamais, se
utilizem de seres do bem para praticarem maldades. Nunca, jamais, machuquem o
espírito da Mãe. Permitam o matriarcado da Deusa, que é o equilíbrio natural.
Toda mulher é a Deusa: que todos os dias o sol nos acorde com essa encantação, que todos os dias a água nos devolva a pureza, que Shiva se mostre em sua
verdadeira fácies e nos entregue espelhos da Realidade.
Ohm Shanti Shanti Shanti.
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